Ok, isto claro, vamos aos fatos. Desde que adquiri uma churraca responsa, sempre quis fazer uma paleta de cordeiro pra galera. A isto se deve o fato de que a Dona Ivette, a nonna, prepara uma no forno que me faz lamber os beiços. Nada mais natural do que tentar fazer a minha própria paleta, não?
O primeiro passo foi correr à internet. Bora lá procurar todo tipo de receita. Nenhuma me agradou, seja pela simplicidade absoluta (meta sal e bote a perna no fogo) ou pela imensa quantidade de viadagem (pegue a perna, passe mel, coloque uma lingua de gato, reze 3 ave-marias..). Fiz um catadão de idéias que me pareciam interessantes e inventei o meu próprio cordeiro.
Primeiro passo: o que fazer com a perna em si.
Pelo que procurei, só encontrei paletas congeladas. Comprei um belo exemplar. Aí nasceu também a primeira cagada: Pra descongelar a bichinha, enchi um balde de água, taquei a peça dentro, devidamente embalada à vácuo, e deixei no sol. Assim que cumpri as etapas acima, bora pra internet ver se aparece mais alguma receita legal. Mas não, acabei descobrindo que a paleta é uma peça sensível e deve ser descongelada vagarosamente, na geladeira. Fudeu.
Segundo passo: preparando o molho pra marinar.
Em quase todas as receitas que li, a paleta deveria marinar por algumas horas num molho xyz, que, em geral tinha vino branco ou cerveja, e azeite. Optei pelo vinho branco, porque cerveja bebo eu e carne nenhuma vai tomar a minha. As receitas falavam em 1 copo de vinho e um copo de água. Como eu não faço receita de mulherzinha, mandei logo uma garrafa inteira, sem essa de água. Vinho branco seco, hein fanfarrão! Não vai comprar suave pq vai fazer a tua carne doce como um pirulito.
Bom, joguei o vinho no liquidificador e taquei lá 150ml de um azeite bom. A patroa me disse que pra cozinhar pode ser qualquer azeite, mas eu mandei lá um italiano.
Pra dar um tempero no molho, vale a pena meter umas ervas. Recorri aos vasos da patroa e, com a ajuda e uma prima que sabe qual erva é qual, voltei com hortelã, manejricão fresco, salsinha, alecrim, além do orégano e da folha de louro, daquelas que vende num saquinho.
Dei uma colherada generosa no orégano. Joguei as folhas de 5 galhos de hortelã. As folhas de 2 galhos de manjericão e duas folhas de louro. As folhas de 4 galhos de salsinha e um pouquinho de alecrim (que na real nem fez diferença). Era pra dar uma pitada de pimenta do reino, mas eu me atrapalhei com a embalagem e deixei cair bastante, mais ou menos uma colher de chá. Adicionei sal fino, fechei a tampa e começou a lambança. É, um litro inteiro de vinho + esse monte de coisa pode ser demais para o seu liquidificador. Para o meu foi, e vazou bastante. Ainda bem que deu pra passar um pano antes da patroa ver. Recomendo bater tudo com apenas meio litro de vinho, depois vc adiciona o resto.
O molho fica com uma aparência bizarra, parece um lodo de pântano. Isso acontece porque o azeite tende a subir em relação ao vinho (é, eles não se misturam, vc lembra da aula de ciências?) e fica com aquele monte de tempero batido. Mas vai na fé que fica bom.
Terceiro passo: marinando a pernoca.
Caso você não saiba o que é marinar, consiste em deixar determinada peça de carne praticamente boiando em determinado molho, crua, durante determinado tempo. Sacou? Vamos meter a paleta do cordeiro num recipiente, jogar o molho nojento que acabamos de fazer, e deixar lá no mínimo 12 horas.
Usei uma bandeja quadradona daquelas de alumínio, coube a peça direitinho. Se você tem mulher ou mãe em casa, abre o forno que você vai encontrar uma peça dessas.
Ponha lá a pernoca. Jogue todo o molho em cima. De hora em hora, depois de conferir o resultado da telesena, vire a peça. Como já disse, o vinho tende a ficar por baixo, e o azeite faz uma meleca em cima com as ervas. Com uma colher, espalhe um pouco dessa meleca sobre a peça. Assim vai por umas 10 ou 12 horas.
Uma dica legal é fazer uns furinhos com a faca na carne. Ajuda o molho (e o vinho) a penetrar melhor e pegar o gosto. Mas não seja um orangotango, faça apenas meia dúzia de pequenos furinhos.
Quarto passo: lugar de carne é na grelha!
Espetei a peça toda num daqueles espetos duplos. ela fica mais firme na churraca. Pra assar por igual, requintes de crueldade: tem um lado que dá pra ver nitidamente um ossinho, onde ficava plugado o pezinho do bicho. Esse lado tem menos carne, e é interessante usar a cabeça na hora de espetar, de maneira que esse ossinho fique voltado pro lado de fora da churraca.
Quando pegar uma paleta de cordeiro na mão, você vai conseguir identificar um lado mais magro do que o outro. Coloque na churraca, no andar mais alto e com esse lado magrinho pra baixo. Se a sua churraca não faz o estilo Empire State, deve ser o terceiro andar. Fogo forte, não é hora de economizar carvão.
Lá pela terceira ou quarta breja, o lado de baixo começa a ficar escurinho. Aparência de assado é facinho de reconhecer. Quando achar que tá ok, vire a peça. Mesma coisa, mais 3 ou 4 brejas e se achar que tá legal, tire.
É uma peça muito grande e chata pra cacete de cortar. Recomendo separar um cantinho no terceiro andar da churraca, e ir tirando tequinhos da carne aos poucos. Se quiser cortar tudo de uma vez, vai ficar frio.
O resultado foi fenomenal. Mesmo eu tendo cometido várias cagadas no processo, embebedado um filhote de ovelha e ter tacado temperos de forma descoordenada e aleatória, a paleta de cordeiro fez a festa. É uma carne tão saborosa, que você pode errar à vontade que fica bom.
IPDA: entre 35 e 50 reais, dependendo da qualidade dos ingredientes. A paleta custou 28, o vinho custou 6 e o azeite custou 12.
Rendimento: Se for a única peça do churrasco, deve alimentar uns 4 ou 5 marmanjos.
Tempo de preparo: 3 latas pra fazer o molho. No cozimento, pode contar com 4 latas de cada lado do bicho. Ou seja, além do cordeiro, você também absorve uma quantidade legal de álcool.